domingo, 7 de fevereiro de 2016

EU TE AMO MAIS!!! NÃO. EU É QUE AMO...

Em o Banquete, diálogo platônico escrito por volta de 380 a.c., encontramos uma série de discursos a respeito da natureza e das qualidades do AMOR. Longe de ser uma explicação ou justificativa para o que sentimos, nota-se que há muito tempo vários filósofos, poetas, artistas, cientistas e escritores enfrentaram, e ainda enfrentam, o tema, tentando compreender as contradições e complicações provocadas pelo deus EROS.
De acordo com Aristófanes, o AMOR deve ser entendido a partir da história da natureza humana, narrada no mito da nossa unidade primitiva. Inicialmente, havia três gêneros de seres humanos, sendo todos duplos de si mesmo. Tínhamos o gênero masculino/masculino, o feminino/feminino e o masculino/feminino, chamado de andrógino. Ao desafiarem os deuses, estes acabam sendo divididos e condenados por ZEUS a procurarem por sua metade verdadeira.
Dessa forma, os que foram um corte do andrógino, do homem ou da mulher buscam constantemente o seu contrário, elemento que para Aristófanes explica o amor heterossexual e homossexual. Nesse sentido, as pessoas passam a buscar sua outra metade naquilo que não encontram em si e quando a encontram, elas sentem as mais diversas sensações, não querendo se separar, procurando novamente se fundir em um só. Por sua vez, esta fusão não é representada apenas pelo ato sexual, mas também pelo casamento ou qualquer tipo de ritual que estabeleça uma ligação/aliança. Portanto, de acordo com o mito, o AMOR é o desejo e a procura da nossa metade perdida.
Neste texto, Sócrates defende que o AMOR é certamente desejado, porém o objeto do AMOR só pode ser desejado pela identificação de uma falta e não quando se possui algo, visto que ninguém deseja aquilo que já se tem. Ninguém deseja aquilo que não precisa. Nesse caso, o conceito de AMOR apontado por Sócrates é o de que só amamos aquilo que não temos. Por isso, se alguém ama a si próprio, ama o que não é. O AMOR é aquilo que falta, pois o objeto do AMOR sempre está ausente, sendo sempre solicitado. Devido a isso, surge a inquietação de que algo está mais além. Daí a origem da busca, a procura de algo ou alguma coisa que nos falta. A eterna sensação de que não estamos completos.

Complicado? Pode ficar ainda pior. Ou, talvez, melhor.

Quem busca uma explicação ou justificativa para o AMOR pode se perder em um labirinto de ideias. Algumas boas, outras ruins. Mas de qualquer modo, isso não implica no não amar, sendo talvez uma forma de externalizar algo que se sente. A própria literatura nos dá diversos exemplos e não é difícil identificar, em um único autor, visões múltiplas do AMOR. De modo especial, tenho um carinho enorme pelo poeta Carlos Drummond de Andrade e quando quero me encontrar ou me perder, em conselhos amorosos, recorro a ele.
De alguma forma o AMOR gera dúvidas que fazem parte do processo de amadurecimento. O problema não é quando a pergunta tem uma resposta, mas quando se tem MEDO de fazer a pergunta e ter uma resposta. Em seu poema “Amar”, do livro Claro enigma, Drummond apresenta vários questionamentos que longe de indicar uma solução amplia os caminhos a seguir ou fugir:

AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, 
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Contudo, o AMOR também é desencontro, pois amaldiçoados por ZEUS, procuramos o que nos falta no outro. Durante a jornada, nos perdermos, nos machucamos e sofremos. Desiludidos e magoados, partimos para uma nova busca. Neste buscar, encontrar e novamente se perder entra o TEMPO, e Drummond nos oferta outra visão no poema “Amor e seu tempo”, do livro As impurezas do branco:

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Mas também, o AMOR pode ser destruidor. Destruidor quando não se enxergar o outro. Destruidor quando se exige uma quantificação do que se sente. Destruidor quando o MEDO de sofrer é mais forte do que o de amar. Desse modo, Drummond mostra no poema “Destruição”, do livro Lição de coisas, algo que sabemos, mas preferimos negar:

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir mas o existido
continua a doer eternamente.

O AMOR é múltiplo, contraditório, simples, complicado, esquisito, bonito, feinho... Pode se tentar explicá-lo e defini-lo, sendo que alguns tentam até medir a sua força, intensidade e (in) finitude. Nessa direção, penso numa passagem dita pela personagem Hazel Graze do livro A culpa é das estrelas, de Jonh Green:

“Não sou formada em matemática, mas sei de uma coisa: existe uma quantidade infinita de números entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma infinidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1 milhão. Alguns infinitos são maiores que outros... Há dias, muitos deles, em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Eu queria mais números do que provavelmente vou ter”

E falando em INFINITO, podemos lembrar o nosso bom e velho Vinicius de Moraes no seu “Soneto da fidelidade”:

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

O AMOR é múltiplo, finito e infinito... O AMOR é busca, encontro e perda. O AMOR pode ser o que queremos e o que não queremos dele. Mas penso que diante de todas as suas faces, a que mais perturba é quando assume a posição do MEDO. Mas não é a busca ou a perda que faz surgir o MEDO. Talvez ele venha da incerteza de se trilhar o (s) caminho (s). De qualquer forma, Drummond diz que “além do amor, não há nada, amar é o sumo da vida.”


Vamos viver então!
NARCISO ACHA FEIO, TUDO AQUILO QUE NÃO É ESPELHO

   Para os gregos, o verbo SER tinha uma importância e assumia quatro significados diferentes. Primeiramente, ele indicava EXISTÊNCIA, exprimindo que determinada coisa existe. No sentido de IDENTIDADE serve para identificar e/ou distinguir algo ou alguém em relação a si mesmo e/ou aos outros. Há também o sentido de PREDICAÇÃO para atribuir propriedade ou qualidade de determinado objeto ou alguém. Por fim, assume a postura de VERIDATIVO, estabelecendo uma relação entre a verdade e o falso. Contudo, estes significados não eram excludentes, pois indicavam uma noção de unidade/totalidade. Não é difícil perceber que hoje não podemos usar este conceito da mesma forma, isso porque numa sociedade fragmentada como a nossa, a APARÊNCIA e os quinze minutos de fama têm mais valor do que a ESSÊNCIA.
   Penso que um mito em especial demonstra, em termos, a força da palavra SER. De acordo com Ovídio, Narciso era um rapaz belo e os pais Cefiso e Liríope consultaram o oráculo Tirésias para saber o destino do filho. A revelação foi a de que ele teria uma vida longa, desde que não olhasse o próprio rosto. Ao crescer, Narciso despertou amor tanto em homens quanto em mulheres, porém era orgulhoso e arrogante. Diversas ninfas se apaixonaram pelo jovem, incluindo Eco que o amava incondicionalmente. Desprezadas, elas pediram aos deuses uma punição e a deusa Némesis o condenou a apaixonar-se pelo próprio reflexo. Encantado por sua beleza refletida na água, Narciso deitou-se no banco do rio e definhou, contemplando sua imagem. Depois de sua morte, ele é transformado em uma flor, que não deixa de simbolizar a beleza, mas também o efêmero, o passageiro e transitório.
   Nesse sentido, Narciso tem consciência de sua EXISTÊNCIA, mas ao se distinguir em relação ao outro - IDENTIDADE - acaba enxergando apenas suas qualidades - PREDICAÇÃO - tomando isso como a verdade única - VERIDATIVO. Não é gratuito que a palavra grega NARKE significa entorpecido e está presente nos seus derivativos: narciso, narcisismo ou narcótico. Dessa maneira, para os gregos, o mito de Narciso simboliza a vaidade e a insensibilidade, na medida em que ele era emocionalmente “entorpecido” as solicitações amorosas dos outros, que se apaixonavam pela sua APARÊNCIA. No entanto, isso também nos mostra o drama da individualidade que não compreende a profundidade do SER e a lição tirada deste exemplo é a de que só existimos enquanto indivíduos quando tomamos consciência de si mesmo e perante a si mesmo (lugar em que experimentamos todos os dramas), tendo ainda como contraponto o outro.
   Contudo, por que mesmo tendo a explicação do verbo SER e a experiência passada através do mito de Narciso, vivemos em uma sociedade cada vez mais individualista e fragmentada? Será que em algum momento tivemos realmente uma unidade/totalidade? E de que forma estas questões e relações deixaram de ser uma preocupação do sujeito?
   Sem buscar explicações amplas para estas perguntas, uma direção está no que Freud discorre no texto “Os três golpes ao amor próprio humano”. Para ele, algumas descobertas podem ter significado uma investida rude contra a imagem que nós fazemos de nós mesmos, provocando assim três feridas no ser humano.
   O primeiro golpe é o cosmológico, pois o homem acreditava que em seu mundo, a terra era o centro do universo. Com as investigações de Copérnico e Galileu comprova-se cientificamente que isto não é verdade, uma vez que ela gira em torno do sol. Hoje, com os avanços tecnológicos na área da cosmologia estima-se que há no universo um número aproximado de 100 a 200 bilhões de galáxias. Será que estamos sós neste mundão de meu deus?
  O segundo golpe, é o biológico, pois no desenvolvimento da civilização, o homem adquiriu uma posição dominante entre outras criaturas, colocando um abismo entre a sua natureza e a dos animais. Mas Darwin põe fim a esta presunção ao mostrar que o homem tem ascendência animal.
   O terceiro golpe é o de natureza psicológica e, segundo Freud, é o que mais fere. Mesmo humilhado nas relações externas, o homem sentia-se superior dentro de sua mente e na percepção interna, a consciência, fornece ao ego a informação de todas as ocorrências importantes nas operações mentais. Assim, a vontade dirigida por essas informações executa o que o ego ordena. Porém, na realidade não é isso que acontece. Em muitas situações e circunstâncias, aparecem pensamentos de súbito sem que possamos saber de onde eles vêm e sem que possamos fazer algo para afastá-los. Portanto, reconhecer que nosso ego não é senhor da própria casa destrói de vez o narcisismo humano.
  Nesse sentido, a dificuldade em conquistar esta unidade/totalidade do SER, talvez resida no fato de que somos tomados por um forte egoísmo. Acreditamos que somos únicos em um universo com bilhões de galáxias, acreditamos que somos superiores as demais criaturas e ainda acreditamos que estamos no comando da nossa vontade. Não enxergamos a nós mesmos e tampouco ao outro.
   Tudo isso nos leva ao MEDO. Deixamos de amar. Deixamos sonhos... Ficamos paralisados no mundo e reclamamos do individualismo e da fragmentação do sujeito. Mas penso que para retomar a ESSÊNCIA do SER é preciso VER e isso nos incomoda, desloca nosso ponto de vista e abala nossas convicções. Clarice Lispector em seu livro A paixão segundo G. H mostra um caminho para enfrentar esta jornada:

"Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?"

    Mas nem todos gostam da desorganização. É mais fácil deixar de lado tudo aquilo que nos incomoda, que nos apavora ou que nos dá medo. Para SER é preciso VER não apenas o espelho, mas o que está em torno de mim. Para SER é preciso VER o outro, algo muito bem dito por Caetano Veloso em sua música Sampa:

“Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço”

   Assim, as consequências de não querer SER ou VER, talvez nos faça tristes, solitários, neuróticos, histéricos, egoístas, perdidos... Estamos num mundo com vários outros EUS que se ignoram. Mas na verdade, sabemos que se isso acontece é porque, bem lá no fundo, já entendemos o fato intolerável de que somos dispensáveis. Ninguém é especial e qualquer um pode ser substituído. 
   Protegemo-nos de tudo e de todos, mas, no final, como destaca Freud, em seu texto “À guisa de introdução ao narcisismo”, “precisamos começar a amar para não adoecer, e iremos adoecer se, em consequência de impedimentos, não pudemos amar.”
   Amar é a solução? Não sei.

   Mas que tal começarmos quebrando o espelho?
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE IRONIA/SARCASMO

Em diversos lugares, encontramos frases, posts ou mensagens que difundem um pensamento jocoso/malicioso, arrancando às vezes um sorrisinho ou algo mais. Além disso, todos têm aquele amigo, amiga, parente, vizinho ou colega de trabalho que adora atirar as suas farpas, ouvindo assim os devidos elogios: “Só podia ser você!”, “Você é demais!”, “Você não tem jeito!”...
Contudo, não basta querer ser irônico. É preciso entender que essa arte de dizer o contrário do que se pensa requer inteligência e o reconhecimento de que o que afeta o outro também incide sobre mim.
A palavra IRONIA (do grego eironeia - EIRON = fingido) designava na sua origem a arte de interrogar com o propósito de provocar a maiêutica ou o surgimento de ideias. Nesse sentido, ela foi muito usada no método socrático, que consistia em propor questões simples e ingênuas a um interlocutor dogmático a fim de mostrar a fraqueza de suas opiniões. O resultado do processo acabava irritando ou ridicularizando o adversário e, consequentemente, levava a um entendimento da verdade e no alargamento progressivo das consciências. Por sua vez, o termo SARCASMO (do grego sarkasmos ou sarkázien - SARKA = carne / ASMO = queimar / ZIEN = arrancar) significava arrancar ou cortar a carne. E por que pensar sobre a etimologia destas palavras?
Inicialmente, a IRONIA está relacionada à ideia de dissimulação e disfarce, um ocultar. Mas eu só posso ocultar algo que eu já conheço ou descobri e dessa forma isso pressupõe que o outro não compreenda, ao menos de imediato, o pensamento conhecido por mim. Já no SARCASMO, cortar ou arrancar a carne implica em tirar algo que é ou está preso, fixo ou intrínseco ao sujeito. Portanto, o que está em jogo é uma noção de duplo, um EU detentor de um conhecimento e um OUTRO que desconhece. Logo, a sua estrutura básica é a aproximação de dois pensamentos, situando-se no limite entre duas realidades.
Para quem gosta de diferenças, a IRONIA reside no emprego escamoteado do contraste para perturbar o interlocutor, ao passo que o SARCARMO lança mão da dualidade para aniquilá-lo. A IRONIA parece respeitar o próximo, enquanto o SARCARMO é demolidor. Contudo, para usar as duas formas é preciso levar em consideração o seguinte: o que eu conheço não me torna melhor que o outro, pois o que ele desconhece, eu já reconheci ou descobri em mim. E para justificar isso, os exemplos não faltam.
Como professor, já ouvi mais de uma vez a frase “Todo professor é neurótico”. Ora, Freud nos apresenta que “o neurótico afasta-se da realidade por achá-la insuportável - seu todo ou parte dela”, assim todos nós somos neuróticos, alguns em maior, outros em menor grau. Isso porque constantemente repelimos coisas que nos causam desprazer, é um processo automático. Além disso, fomos socializados e educados e nossos instintos e desejos são reprimidos desde a nossa infância. O problema não é ser neurótico, a questão é que quando estas vontades inconscientes são muito fortes, precisamos de muita energia para impedir que elas invadam a consciência. Dessa maneira, entender que existe um conflito já é o primeiro passo para enfrentar nossas neuroses. Assim, chamar um professor de neurótico pelo fato de ter uma profissão diferente não faz de você um sujeito irônico nem sarcástico, mas mostra que além de não conhecer a si e o conceito psicanalítico, você também não saber o que é IRONIA/SARCASMO.
Nessa direção, já ouvi alguns machistas de plantão com a piadinha infame de que “Mulher histérica é um bom exemplo de pleonasmo”. O conceito foi empregado de diversas maneiras, em períodos históricos e contextos culturais diferentes. Por vivermos em uma sociedade patriarcal que ainda reforça o poder do homem, não é de se estranhar que a histeria foi vista como um distúrbio feminino. Contudo, Julia Barossa destaca, em seu livro Histeria - Conceitos de Psicanálise, que “a histeria é uma reação humana ao conflito potencialmente universal”, assim todos nós temos um grau de histeria. Uns mais, outros menos. O problema reside no fato de que masculino e feminino acaba sendo entendido como categorias que se busca refutar ou seguir. Daí a HISTÉRICA/HISTÉRICO sempre querem, mas refutam responsabilidades ou as consequências desse querer, ela e/ou ele querem, mas se recusam a ter.
Assim, nos movimentamos constantemente entre o QUERER/TER, mas fugimos das responsabilidades e consequências. Lendo esta reflexão sinto um corte na minha própria carne, arrancando algo que descubro, reconheço e vejo em mim. Poderia ser sarcástico comigo mesmo? O curioso é que isso se soma a leitura do conto Amor, de Clarice Lispector. A personagem Ana QUER e TEM uma família. Filhos, marido e um apartamento que ao poucos ia pagando. Tinha um marido e filhos verdadeiros, a consolidação do patriarcado. No entanto, o corte ocorre quando ela percebe que também sem a felicidade se vivia, se vivia como quem trabalha. Parece que Ana quer aquilo, mas há o início de uma rejeição.
O que isso tem haver com IRONIA/SARCASMO? Tudo. Não adianta usar a histeria como uma solução para “o fardo” da masculinidade, na medida em que corroboramos para a manutenção da sociedade patriarcal. Querer ser feliz e ainda rejeitar esta estrutura é uma fonte geradora de conflitos, com isso temos mais neuróticos e mais histéricos. Seria isso uma IRONIA ou SARCASMO?
De qualquer modo, vale destacar que a IRONIA/SARCASMO depende de um contexto e fora dele o seu efeito desaparece. Por isso, ao pensar nestes termos procure identificar o obscurantismo resultante e não condicioná-lo ao ambiente psicológico. O que isso significa?

Nem tudo que lhe serve na cabeça é carapuça.